segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Eu

E tu que bates a minha porta, o que queres?
Não posso dizer-te palavras torpes
Recitar versos insanos
Fazer juras de sofrimento ou compaixão
Não quero para ti, quero a ti
Não percebe e nem te falarei
Recolha seus trapos
Seus lamentos e suas preocupações
E ponha-te daqui para longe
Fora do perímetro notável

Reveja tua rebeldia
Tão cheia de culpa
Pesar de si mesmo
Peso de si mesmo
Pesa vagar por entre os vagos
Silhuetas disformes
Assombrações
Distorções
Emoções

Real energia dispersada
Abstrato universo paralelo
Faça de conta que há fusão
Eleve o grau de sua tortura
E torne-a mais sacra que seu belo suor

Ainda que sublime profusão de zelo
Renego e desprezo todo o seu cuidar de desfazer
Por esses caminhos tortuosos de fúria desvairada
E pelos ardis que lhe queimam a boca e a alma
Vejo sanar toda aquela quietude e falta de graça

Não entendo a dança dos corpos sem vida, mas danço o tango dos descontentes
E mesmo que a real condição de busca seja vergonhosamente inexata
Os achados encaixados e sobrepostos são genuínos
Parecem caixas vazias e aves num convés
Trespassados de vida
Cheios de nada.

sábado, 28 de setembro de 2013

Crise de arrogância

Eu sinto falta de você, do seu tédio
Do seu egocentrismo
Da sua falta de vontade e da sua intolerância.
Eu sinto saudade de quando você admirava os ídolos errados
De quando vivia se sentido mal por ser diferente
E de quando achava que sabia mais, mas não sabia.
Eu sinto falta da sua irritabilidade
De como chutava as coisas e socava as almofadas
De como sabia tão bem chorar em silêncio
De como sabia sufocar seus desejos
E de como as pessoas acreditavam que você realmente era tudo aquilo.
Elas só acreditavam porque eram crianças como você.
Eu sinto falta da sua arrogância instantânea, do modo como você atacava as pessoas
De como expressava sua raiva, seus vazios, suas faltas
De como você não queria ser feliz.
Eu lembro do dia que você tentou se matar
E lembro bem de como na verdade nunca teve coragem pra isso.
Eu lembro de como você se reconhecia naquelas músicas
E de como colocava tudo pra fora de uma maneira moderadamente destrutiva
Lembro de como você se afogava no próprio choro
E se revoltava com o fato de o seu pai não te amar.
Eu me recordo daquelas cartas tristes que você escrevia a você mesma, aos seus alter egos falsos, àquelas pessoas que nunca chegariam a ser destinatários.
Eu lembro de como a tristeza é um vício.
E de como é ondular entre realidade e o próprio mundo e não saber.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Canto da noite astral

Estou a tua espera
Aguardo-te com promessas
Os teus olhos são teus reis
Governam-te até a culpa

Estou na tua casa
Preparando teu jantar
Vestindo-me de nua
Definhando na tua ausência
Espalhando-me em teus detalhes
Afogando-me em teus lençóis

Pois tu és
Meu vício sem fim
Meu mar de agulhas
O barulho do trovão

És a minha rua
Meu encalço e minha fuga
Meu espelho e minhas mãos
Minha mágoa e minha profusão

Estás em mim
Como o brilho está na lua
Como o sangue está nos corpos
Como a madeira no papel

És pra mim
A minha única segurança
A porta que não se fecha
O pingo que nunca cai
O farol na escuridão
A seiva que me alimenta
A minha consciência
O ponto de sanidade
Minha ignorância, meu pecado
Minha indolência e minha punição

E tu não sabes
Mas adoro-te como um deus
Refaço cada palavra tua
Como se fossem perpétuos manás
Estás em evidência
Vejo-te, e apenas ti
resplandece sobre mim

Não preciso mais verbalizar o que quero
Apenas deixo rastros fluorescentes para você seguir com a sua imprecisão.

Queima-me com sua luz
Devora-me com sua escuridão.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Exodus

Linda noite; amanheça
Tarde clara; escureça
Versos ternos; se desfaçam
Velas lúgubres; que se apaguem
Jovem corpo; envelheça
Vitalidade; desfaleça
A coragem; se reduz
Toda glória; que se mostre
Tua vitória; meu encanto
Adversidade; não se alongue
Sua idade; não me importa
Meu futuro; seu sorriso
Longo rio; transponha
Minha soma; subtraia
Meu amor; elevação
Ponte até você; não obstrua
Que seja constante; eternamente
Faça o que quiser
Qualquer coisa por você.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Estrito

Várias coisas foram prometidas a mim
Por mim
E agora não posso mais me privar.
Prometi vontade, coragem, força de expressão
Jurei lealdade, verdade e realidade
E agora cometo perjúrio
Contra mim.

Fiz pontes com falsas cordas
Usei muros de vento para me resguardar
Cavei buracos em que eu mesma me afundei
Provoquei explosões em minha cabeça
E agora o cogumelo cinza não se acaba.

Construí ladeiras, elevações
Observei por cima das torres
Mandei drenar os lagos
Extingui toda a alegria
Reverenciei a miséria do espírito

Fiz do amargo pouco doce
E de sal me cerquei
Em noites sem vagalumes
Frio senti

Deixei a casa sem proteção
Sem as portas e sem as cortinas
Quebrei as camas
Ateei fogo nos portões
Fiquei sentada do lado de fora olhando
Esperando o nada me preencher

Penso em coisas disformes
Conturbações, depressões
Parece só o caos na rotina
Um pouco de omissão nos gestos
Pouca paz e outro rumo
Pouco conteúdo e vá-se a métrica
Muito distúrbio e pouca estética
Livre mundo e presa eu.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Spin

Saia de mim
Coisa impotente, corrupta e negligente
Afastem-se
Medo e vergonha e revolta
Vão.
Eu não quero mais nada disso aqui.

Quero um corpo puro
Só o mundo a corrompê-lo
Só a matéria a perfurá-lo
Mas nada mais de feridas internas.

Há muita coisa que precisa se ver fora
Mas não vê por onde sair
Há cacos demais no chão.
Meus pés estão cortados
Minhas vísceras estão palpitando
Sim, agora sou livre.

Todo mundo tem grandes problemas
Que não cabem em seus pequenos mundos
Não há alma livre sem perdão
Não há verdade sem solidão

Vida sem utopia
Noite sem pesadelo
Me levem daqui.
Só quero ver as pérolas mergulhando nas águas escuras.

sábado, 4 de junho de 2011

Elegia

O sorriso luminoso esconde
Mas você queima

E no seu cárcere mental,
Você
Se enrola e cresce
Desmaia e acorda
Luta e não vence.

Não consigo mais ver você sendo,
Tentando não ser.
Rasgando-se inteiro
Sangrando em silêncio

Você que berra
Mas não sabe falar
Que chora
Sussurra e implora
Ao tempo que transborda sensações
Intimida reações
E não sabe mais de nada

Você que chama e não escuta
Perde e não sente
Comete e não perdoa.

Eu quis que você se despedaçasse
Todas as vezes que você pensou e não disse
Quando quis e não tentou
Quando viu e fechou os olhos
Quando doeu e não chorou
Quando viveu e não sentiu.

Digo isso para você que sempre quis demais,
Mas sempre a mesma coisa
Digo isso para você, amigo
Que precisa sentir
Muito mais que tormento.